Um Gaudério do Asfalto de moto pelas estradas da Austrália - por Renato Lopes

O Gaudério, motociclista e escritor Renato Lopes de Santa Maria - RS, logo após lançar o livro “MOTOCICLÍSTAS nas rutas do Cone Sul”, no dia 01 de dezembro de 2006, onde relata o que viu e sentiu nas suas viagens e aventuras por sete países da América do Sul e provas da Iron Butt Association, viajou no dia 06 do mesmo mês para realizar uma grande viagem de motocicleta por terras australianas.

Esse sonho de realizar uma aventura diferente, teve início na virada do ano de 2001 quando visitei, acompanhado da família, o meu irmão Álvaro Lopes que reside em Sydney, na Austrália desde 1989. Desde então surgiu a idéia de conhecer melhor aquele país. E nada poderia ser melhor para conhecer e interagir com as belezas naturais e, sentir a cultura e hábitos do povo, que rodar sobre duas rodas para entrar na atmosfera daquele país belíssimo.

A idéia inicial era percorrer 7.000 km de motocicleta por cinco dos estados australianos. Roteiro prévio pronto no final de outubro, encaminhamento de visto e compra da passagem, tratei de solicitar ao meu irmão que reservasse uma motocicleta BMW GS 1200 para duas semanas, no período e 03 a 16 de janeiro. Diga-se, a diária de moto na Austrália é mais cara que Europa e Estados Unidos. O Álvaro conseguiu um período de férias para me acompanhar na viagem, só não conseguiu tempo para fazer a carteira de habilitação australiana para motocicleta, o que não foi empecilho para ele fazer a viajem como garupa.

Chegando em Sydney no coração da Austrália onde ele reside, logo senti dos familiares e amigos mais próximos um ar de espanto e muita preocupação, quando comentei sobre o roteiro que incluía sair da costa e entrar nas regiões de deserto. A grande concentração populacional da Austrália está por quase toda a costa. Ao se adentrar 200 a 250 km para interior do continente, inicia uma grande região desértica, onde a população se resume em pequenas cidades e povoados.

Antes de iniciar a aventura de pilotar uma motocicleta por estradas australianas, tratei de me familiarizar-se com o trânsito da mão inglesa, utilizando um carro e uma camioneta. Parece fácil, mas não é. A condução em si de manobrar o veículo não é diferente, mas o que preocupa mesmo, são nossos reflexos em razão da atenção que passa a ser invertida, se concentrando no lado direito. Mas nada que uns três dias de pratica no trânsito o piloto não se adapte!

Chegado o dia da partida, uma rápida familiarização com a moto, já que no Brasil piloto um Suzuki V Strom, partimos logo após o meio-dia em direção ao primeiro objetivo, conhecer Canberra, capital da Austrália. Rapidamente pegamos a autopista que nos levaria a Canberra, a Highway Hume 31. Não precisa comentar muito, estrada de primeira, com todo conforto e segurança aos usuários, mas um fato me frustra inicialmente. A velocidade máxima permitida, mesmo nas auto-estradas é de 110 km/h. E eu com uma máquina espetacular na mão!

Diferente do Brasil, lá os motoristas respeitam esse limite, seguramente em razão da cultura, das inúmeras câmaras de velocidade ao longo da via, da rigidez da legislação e da impunidade.

No caminho em direção ao sul, um cenário de muitas fazendas e muita seca para aquela época do ano, o céu com um azul lindíssimo e muitas nuvens brancas amenizava o sol exuberante. Na primeira parada em um complexo de serviços para uma esticada e beber água, encontramos o Damy e sua esposa com uma Harley Davidson que também estavam indo para Canberra, um papo rápido, fotos e partimos juntos para rodamos por algum tempo, até a nossa próxima parada para um novo clique em um vale grandioso, com uma vista que se perdia no horizonte, onde o cenário do campo de coloração amarela denunciava a seca prolongada.

Chegamos em Canberra antes das 17 h, o que nos permitiu conhecer os principais pontos turísticos da cidade, como o Parliament House com a frente adornada por mosaicos aborígines, Australian War Memorial, Higt Court, Telstra Tower, Old Parliament House e o centro. A cidade se destaca pelo planejamento, pela beleza da arquitetura, pela limpeza e por seus milhares de jardins e parques, para um população de aproximadamente 300 mil habitantes.

Dia seguinte retornamos a Highway Hume 31 que nos levaria até Melbourne capital do Estado de Victoria. A estrada continuava perfeita para se rodar de moto, mas se observa ao se entrar no Estado de Victoria que as placas de advertência indicando a existência de câmaras de velocidade sumiram. O cuidado com a velocidade passa a ser mais uma preocupação, além da mão inglesa. Próximo a Melbourne a primeira “mancada”, ao me aproximar de uma rótula muito ampla, como todas na Austrália, não olhei para direita, e com a ajuda do meu anjo de guarda, escapei de provocar um acidente, era o segundo dia de estrada e meu condicionamento ao trânsito da mão inglesa ainda não estava completo.

A região mais ao Sul do Estado em razão da seca prolongada foi a que mais sofreu nesse verão australiano, com incêndios ininterruptos por mais de dois meses, consumindo centenas de hectares de mata de eucalipto, o que nos levou a desistir de rodar pela região.

Melbourne chama atenção em razão de ser considerada a capital cultural e a segunda maior cidade da Austrália com elegante arquitetura e muito charme, e com as várias opções para o laser e vida noturna, com destaques para os cafés, bistrôs e ótima gastronomia.

Deixamos Melbourne na manhã do dia seguinte com destino Adelaide, capital do Estado de South Austrália, mas sabíamos que teríamos que fazer um pit stop no caminho, pois seriam 1.220 km a percorrer em um dia que prometia muito calor.

Agora rodávamos pela Highway Western A8 com uma pista ótima, retas intermináveis e tráfego constante, mas naquele dia nem tudo seria perfeito para motocar, o calor estava insuportável, era impossível ficarmos mais que 2 a 3 minutos parados ao sol. A sensação era de estarmos cozinhando, e não era para menos, estávamos embaixo do maior buraco da camada de ozônio do planeta, a Austrália, onde o câncer de pele tem a sua maior incidência do mundo.

Logo após o meio-dia, paramos para fazer um lanche leve como de costume em viagens de motocicleta e reabastecermos com muita água, o tempo começou a mudar e os ventos fortes vindos do oeste dificultavam a pilotagem, e por vezes, me forçava a invadir a pista da direita. E tudo ficava mais difícil e perigoso quando necessário ultrapassar ou ser ultrapassado pelos famosos e longos treminhões que rodam pelas estradas australianas. Foram quilômetros e momentos de angústia e de preocupação, uma verdadeira luta para manter equilibrada a moto, que estava pesada para aquelas circunstâncias.

Ao passarmos por uma região vinícola, na localidade de Great Western, com o vento não dando trégua, realizamos uma parada estratégica na Garden Gully Wine, um tipo de Quiosque de degustação e venda de vinho, no meio do nada, na beira da estrada, mas com o conforto de primeiro mundo, onde a Suellen, uma senhora australiana muito simpática nos atende com simplicidade e muita atenção. Enquanto degustávamos um bom vinho, ela informa que o calor escaldante da região se devia a estiagem de mais de oito meses e ainda nos brinda com algumas dicas das regiões vinícolas. Não precisaria referir que todo o parreiral é irrigado!

O vento continuava a soprar mais forte e eu já estava ficando estressado de pilotar naquelas condições. Ao chegarmos em Kaniva, uma pequena cidade na região do Little Desert, por volta das 16 h, já exausto, procuramos um hotel e resolvemos ficar por ali mesmo. Uma cidade típica do interior, com menos de 1.000 habitantes, mas com ótima infra-estrutura básica, como de resto se verificou por todo o interior da Austrália.

Nos instalamos em um motel, muito utilizado por famílias no período de safra, onde o proprietário nos informa que o forte vento era reflexo da tempestade que varreu boa parte da costa do Western Austrália que é banhada pelo Oceano Índico, destruindo muitas propriedades e plantações. Um fenômeno muito comum na região.

E como não poderia faltar, fomos até um aconchegante Pub conferir a boa cerveja produzida na Austrália e relaxar um pouco.

Em Adelaide, ficamos um dia e meio para conhecer a bela cidade e região vinícola nas montanhas. Depois de fazer um tour pela cidade e curtir a belíssima Adelaide, chique, limpa, movimentada e com muito luxo, onde se vê com freqüência belas Ferrari e Lamborguini passeando pelas largas avenidas, era hora de um pit stop no Pub Stage, um dos point mais movimentos da City para um big copo de cerveja. Diga-se, muito caro para os padrões brasileiro, AUD$ 7,60. Mas foi onde conhecemos o motociclista brasileiro Murilo, com o qual combinamos uma esticadinha no dia seguinte para a região de montanhas.

O domingo surgiu nublado e às 9 h o Murilo passa com sua moto Yamaha XTX 660 Super Motard no Jacksons Motor Inn, onde estávamos hospedados. No percurso de aproximadamente 150 km em meio a muitas curvas, pequenas cidades e montanhas que lembram muito a Serra Gaúcha, onde até o clima é idêntico. É o passeio predileto dos motociclistas de Adelaide, onde paramos para tomar um gostoso café e comer um folhado com salsicha na calçada de um estabelecimento típico do interior, com um ar bucólico mas de lindíssimo visual. O passeio é imperdível!

Seguimos mais adiante pelas montanhas, onde encontramos belos e extensos parreirais irrigados, tão organizados quanto a própria Austrália.

No retorno passamos pelo mirante de onde se tem uma bela vista por completo de belíssima Adelaide. Quando caminhávamos no mirante o Murilo nos convida para almoçar com ele em sua casa. Logo que chegamos, nos deixou a vontade para utilizar a Internet enquanto foi buscar carne para assar. Nesse meio tempo chegou um amigo do Murilo, também brasileiro e de Minas Gerais, o Felipe, muito camarada e motociclista que gosta de moto esportiva, possui uma Honda VFR 800. Não conhecia essa moto que é muito linda.

Eu aproveitei para descarregar uma grande quantidade de mensagens da minha caixa eletrônica e ainda sobrou um tempinho para mostrar os site dos Gaudérios do Asfalto www.gauderiosdoasfalto.com.br para eles verem as fotos das viagens pela América do Sul.

Os dias seguintes foram reservados para desvendar e sentir as emoções de se rodar pelo interior, o chamado Outback da Austrália. Seguimos na direção norte do país, passando pela Mount Lofty Range, onde se inicia a região desértica e mais inóspita, com temperatura acima de 43º C.

O que chama a atenção no trecho de mais de 600 km até Broken Hill, cidade histórica, aconchegante e com ótima infra-estrutura para turistas, é a quantidade de cangurus, um dos símbolos da Austrália, mortos ao longo da estrada, atropelados por caminhões e carros. Sem medo de cometer erro, num trecho de 240 km desviamos de mais de 150 cangurus mortos, de todo o tamanho, alguns chegavam a pesar mais de 100 kg. O exagero na quantidade de placas de advertência indicando a presença de cangurus nos próximos quilômetros tinha sentido, foi necessário diminuir a velocidade e manter-me ligado e atento a ambos os lados da pista. Os carros que circulam na região são dotados de pára-choque ao estilo dos caminhões. Felizmente passamos sem maiores sustos com o anjo de guarda fazendo a varredura à frente.

Reservamos a tarde para explorar Broken Hill e até encontramos a Brazil Street, onde o registro fotográfico foi necessário.

Seguimos no dia seguinte sempre rodando pelo interior, pela Barrier Highway 32 conhecendo várias pequenas cidades, em sua maioria com menos de 500 habitantes, onde se encontra bom número de aborígines nas imediações das estações de serviços, lanchonetes, restaurantes e hotéis, notadamente os locais procurados por turistas. Tínhamos informação que costumam solicitar dinheiro aos visitantes da região. Particularmente não presenciamos abusos e nem nos sentimos ameaçados, mas foi possível notar que antes do meio-dia, muitos já se encontravam embriagados, talvez em razão do desestimulo ao trabalho face o auxilio mensal oferecido pelo governo a cada família aborígine, ou será uma forma de desculpar-se do quase total extermínio da cultura aborígine?

Logo alcançamos a Newell Highway 39 e depois Gore Highway 85 que nos levaria até a pequena Noosa, última cidade de Sunshine Coast, no Estado de Qeensland. Uma praia paradisíaca para turistas dispostos a pagar caro pelo verde exuberante, badalação, charme e muito requinte dos restaurantes, cafés, lojas e hotéis.

Um dia na bela Noosa e iniciamos a descer pela costa Sul do Oceano Pacífico, onde foi possível conhecer muitas praias até chegarmos a Brisbane, capital de Qeensland, uma cidade que combina a vitalidade do moderno com a atmosfera de cidade do interior.

Imperdível é uma boa parada em Gold Coast, que além das praias deslumbrantes de areias brancas e águas cristalinas, tem os encantos da badalada Surfers Paradise, um verdadeiro playground em frente à praia durante o dia. A noite é movimentada, com inúmeras opções de restaurantes, pubs e casas sofisticadas de shows, onde se encontram bandas ao vivo e muito jazz.

Um passeio pelas estonteantes curvas da Tamborine Mountain, distante 45 km da costa, foi mágico e compensador. Tudo muito lindo, organizado, com pequenas propriedades onde encontramos muitos motociclistas rodando. Do alto da montanha se pode ver toda a costa do Pacífico da região de Gold Coast e sentir a sensação de um lugar magnífico. É claro que não poderíamos dispensar uma boa degustação de vinho da região e um gostoso café num típico chalé inglês.

Ainda em direção a Sydney, rodamos por mais de 200 km pelas montanhas com boas estradas, curvas, belas paisagens e verde por todos os lados. Um convite para o ecoturismo.

Retornando a costa pela Pacific Highway 1, e uma passada por Byron Bay, Lennox Head, Ballina, Urunga, Nambucca Heads, Port Macquarie, Nelson Bay, Newcastle até o retorno a Sydney.

Ao todo foram 5.350 km rodados por ótimas estradas, e apesar de ter procurado um único “buraco” para fazer uma foto, eu não consegui encontrá-lo. Preferimos reduzir a quilometragem rodada para privilegiar uma exploração maior das cidades e da cultura australiana.

Rodamos duas semanas com uma moto BMW GS 1200 que só exigiu combustível, me transmitindo muita confiança na pilotagem, mesmo na região do deserto quando rodávamos muitos km sem cruzarmos por veículos ou mesmo para encontrar um povoado.

O abastecimento não é problema na Austrália e a gasolina é mais barata que no Brasil. Esteja onde estiver sempre num raio de no máximo 200 km haverá uma estação de serviço e alguma infra-estrutura de apoio e, mesmo no deserto, as “rest area” – área de repouso e apoio, pode se encontrar com facilidade e conforto, sanitário limpo, papel higiênico, energia solar, rampa de acesso para deficientes, abrigo com mesa para lanche, bancos, churrasqueira, reservatório d’água com sistema de coleta de água da chuva, recolhimento de lixo, etc.

O que mais incomoda para viajar no verão australiano é o calor, simplesmente escaldante. Alguns motociclistas, viajantes e policiais com os quais tivemos a oportunidade de conversar antes de iniciar a viagem de moto, nos alertavam para o excessivo calor no verão, recomendando o inverno para viajar pelas regiões do deserto. Dicas que me levaram a concordar após a viagem, pois senti um sol muito diferente. Ficar no sol por mais de 3 min é quase impossível sem correr o grave risco de queimadura ou contrair doença de pele. O uso de protetor solar é obrigatório, tanto quanto beber muita água. Hoje entendo que o melhor é rodar no período do inverno, onde a temperatura fica mais próxima dos 20º no deserto.

A segurança na Austrália, seja nas grandes ou pequenas cidades, ou estrada, é total. A polícia muita bem aparelhada pode ser sentida em toda parte, inclusive nas estradas do deserto, contudo, o diferencial é a tecnologia das câmaras que vigiam 24 horas os movimentos de pessoas e veículos, e lógico, aliado a cultura e nível de desenvolvimento do país.

Os mais desenvolvidos estados são New South Wales, Victoria e South Austrália onde estão concentrados os parques industriais e as grandes áreas produtivas de carne e grãos.

Como permaneci até dia 11 de fevereiro de 2007 na Austrália, me foi possível conhecer um pouco mais da grande Sydney, como a região de Blue Mountains, onde se pode contemplar a paisagem de canyons, montanhas, florestas selvagens, cachoeiras, cangurus, coalas e a intrigante The Three Sisters.

São tantos os atrativos da maior e mais antiga cidade da Austrália, que se torna difícil enumerar nesse pequeno relato. Vai da arquitetura ultramoderna do centro econômico e financeiro da cidade, dos incontáveis parques, as belezas naturais preservadas, a badalação da vida noturna nos sete dias da semana, a variada gastronomia internacional, a face multicultural, as belas praias, o Opera House, o Darling Harbour, o histórico e chique shopping Queen Victoria Building, a Sydney Tower, até chegar aos incontáveis bairros em meio às áreas verdes e suas casas em estilo inglês do século XIX, em sua grande maioria muito bem preservada.

Sydney é uma cidade incomparável. Uma cidade linda, organizada, segura, sofisticada, interessante, acolhedora e cosmopolita.

Em fim, se puder visitar a Austrália, não deixe de fazê-lo, pois o único fato remoto em conhecer a Austrália é a experiência que você pode vir a perder.

Renato Lopes